segunda-feira, 31 de maio de 2021

EU NUNCA PRECISEI DE ARTISTA, E VOCÊ?

 

Outro dia vi uma postagem de um conhecido, na qual ele dizia, de forma jocosa, que nunca havia precisado de um artista. E que a arte, no seu modo de ver, seria algo supérfluo ou descartável.

Talvez a perspectiva estabelecida a partir deste ponto de vista venha a ser restabelecida dessa forma devido a aspectos conjunturais provenientes dos embates políticos atuais (falo no ano de 2021, no auge de uma pandemia no Brasil, e polarização ideológica). Questões relativas à gestão pública no incentivo à cultura, e coisas do gênero.

Por fim, o sonho da arte chega a um beco, no qual as pessoas que estão fora da bolha criada pelo mercado questionam: “Arte? Para que isso serve mesmo?

Observando-a a partir de um caráter utilitário, não há serventia para a Arte sua olhos desses espectadores senão, apenas, como diversão ou passatempo às pessoas que têm tempo suficiente para tal. Ou, como dizem os diletantes, a arte serve apenas como uma boa terapia.

Aqueles imersos em seus pequenos horizontes, cujas perspectivas se limitam apenas a comer e dormir e trabalhar e se divertir -de vez em quando, veem a arte como descartável. Teriam razão?

Antes de adentrar nisso, gostaríamos de partilhar um pouco de nossa experiência.

Sempre que vamos a museus históricos, vemos, na realidade, restos do que sobrou de diversas civilizações. As coleções de peças arqueológicas reúnem aquilo que representa a expressão temporal de uma cultura dentro da cronologia. E o que representam essas peças, na maioria das vezes? Arte.

Quando vemos as explicações dos estudiosos, verificamos que as peças expostas trazem à tona o grau de desenvolvimento da civilização. Uma arte mais refinada é um sinal de uma civilização em seu auge. O contrário revela aos estudiosos uma civilização ainda incipiente ou decadente.

Lembro-me de ter lido alguns trechos das memórias de Jean-François Champollion (lidos em Deuses, Túmulos e Sábios) nos quais ele dizia que havia percebido que alguns templos os quais estaria estudando no Egito eram, na realidade, expressão de uma civilização já decadente pelo aspecto da Arte que os decorava. Era uma arte do final da civilização egípcia. Então, Champollion identificou a decadência da civilização egípcia pelo aspecto decadente de sua expressão artística.

Não vou aqui me aprofundar, pois não me interessa entrar nesses detalhes, o quanto os processos artísticos foram cooptados pela indústria a partir da revolução industrial do século XVIII. Mas, para se criar um simples ventilador há um processo artístico envolvido. Portanto, se você tem um ventilador em sua casa, ou um carro, ou um liquidificador, saiba que todos estes nasceram, a princípio, de processos artísticos ou, como chamamos atualmente, design -bem anglo-saxão.

É interessante notar, pois, que o design industrial se aproveitou de toda experiência acumulada ao longo de séculos, até chegar aos resultados “revolucionários” de hoje.

Contudo, e este é o ponto que me interessa no momento, a arte contemporânea foi um acúmulo de destruições contínuas, que se desenvolveram ao longo dos séculos XIX – XX. Creio sinceramente que a busca de libertação do artista, provocada pelas vanguardas europeias do século XIX, não tinham em mente que chegássemos a este beco, onde a própria liberdade é uma prisão.

A prisão da novidade. A prisão da superficialidade. A prisão da falta completa de parâmetros. Eu entendo ser impossível construir com destruição. E tampouco se constrói coisa alguma em cima de nada.

E, ao chegarmos a este ponto, verificamos que as próprias pessoas rejeitam a necessidade da arte. Estão acostumados a ver uma terra arrasada, onde soluções fáceis são tidas como o suprassumo do ótimo. Quem consegue ouvir, hoje em dia, um Sílvio Caldas? Não falo de Bach ou Beethoven para não ser chamado de irrealista.

Quem entende aquilo que representa uma “Mona Lisa”, que já foi fruto de uma revolução artística? Quem, na era do Twiter, consegue ler um Dostoievsky em sua densidade psicológica? E isso é devido a que?

Quando eu era adolescente (década de 1980) ficava impressionado com as manifestações culturais que pregavam uma luta contra a massificação da cultura. Podemos entender que muito disso poderia estar querendo resgatar um papel “elitista” da arte. Mas, em nenhum momento, entendi que papel isto que chamamos de arte teria em alimentar nossas consciências. Em nos tornar livres, e não mais presos.

Adolf Loos (1870-1933), arquiteto austríaco, entendia que toda forma de ornamento e cor era degeneração. E que uma sociedade, para ser considerada moderna, deveria prescindir disso.

Quando visitamos Roma, vemos diversos prédios brancos, que descobrimos terem sido construídos na época do fascismo, principalmente nas décadas de 1920/1930. E que os antigos prédios da civilização romana, hoje enbranquecidos pela deterioração dos pigmentos, originalmente não o eram. Para os nazistas a inexistência de cor refletia um homem mais moderno, sofisticado e superior. Talvez remetendo à teoria da raça ariana, branca.

Então, ficam duas questões que devem ser respondidas:

1) A arte hoje existente é realmente necessária a esta sociedade?

2) A ausência de arte colabora para um papel libertador das consciências?

quarta-feira, 28 de abril de 2021

ALGUNS TRABALHOS MEUS RECENTES

Faz tempo que tenho este blog e eu postei diversas pinturas minhas antigas e alguns trabalhos de anos atrás. Quero pedir a licença para postar, agora, alguns trabalhos meus mais recentes. 

Em outra oportunidade, quero postar algumas gravuras minhas, também.



O REI E SEU CETRO 
(Acrílico sobre tela de linho - 80 cm x 110 cm)

O pescador representa o ser humano que busca o conhecimento. O chapéu de palha, no formato de um sol, ou aureola, nos remete às figuras hieráticas de pinturas medievais, como alguém munido do conhecimento espiritual. Este chapéu representaria a coroa e, também, a realeza do representado.

No Brasil, existem populações que vivem no litoral do Estado de São Paulo, chamados de "Caiçaras", descendentes de tribos indígenas precolombinas que lá viviam. No caso, este seria a figura estilizada de um "caiçara" (roupa simples, chapéu de palha, etc.)

A vara de pescar, que seria o instrumento em que o pescador consegue o peixe, seria o "cetro": instrumento que demonstra o poder do caiçara em pescar, que simbolizaria o poder que um ser humano ligado à natureza, e munido de conhecimento, tem de conquistar neste mundo aquilo que necessita para viver e se desenvolver.

A vara de pescar, feita de bambu, tem diversas outras significações: amarelo representa o conhecimento; o bambu representa a flexibilidade.

Existem outros simbolismos na pintura, que busco deixar aos apreciadores verem.
 
Para chegar a este resultado, fiz alguns estudos prévios, conforme se vê nos trabalhos abaixo.





O PESCADOR
(pastel seco sobre papel Arches - 50 cm X 65 cm).




CABOCLO 
(lápis e carvão sobre papel Moulin du Roy - 30 x 40 cm)





A CATEDRAL 
(aquarela sobre papel Montval - 50 x 65cm)

Uma vez entrei na floresta e a formação das árvores e galhos dava a impressão de uma catedral gótica.

Desde então, sempre que entro na floresta, imagino estar entrando em um lugar sagrado, tal como uma catedral.

Eis o sentido do nome desta pintura.





A NOITE EM NOSSO QUARTO 
(aquarela sobre papel Arches 100% algodão 140lb - 38 x 57 cm) 





COMPLEMENTARIDADE 
(técnica mista sobre papel The Langton Prestige 100% algodão 140lb - 35 x 50 cm)





SOMOS UM 
(aquarela sobre papel The Langton Prestige 100% algodão 140lb - 35 x 50 cm)





A LENDA
(pastel seco sobre papel Arches 180 GSM - 46 cm X 61 cm).




HOMEM SOLAR 
(técnica mista sobre papel Arches 90lb)




FACE 
(pastel oleoso sobre papel)




AUTORRETRATO 
(pastel seco sobre tela)



ESTUDO DE MULHER 
(grafite sobre papel)


#acrylicpaint #acrylicpainting #alchemy #alchemyart #artistarondonia #brazilianart #brazilianartist #brazilianpainting #caboclo #carbon #desenho #desenhos #draw #drawing #estudos #fishingart #fishman #georgeavis #graffiti #graffitiart #indigena #landscape #landscapebeach #landscapepaint #landscapepainting #mithology #modelo #naïf   #natureart #neocolor #paper #pastel #pastelart #pastelartist #pastelpaint #portovelho #portrait #rondonia #selfportrait #sketch #spiritualart #supracolor #traditio #traditionalart #watercolor #watercolorart #watercolorpainting  



















quarta-feira, 7 de abril de 2021

HISTÓRIAS DE PIGMENTOS: VERDE VIRIDIANO (dito "Esmeralda")

Autora: Evie Hatch

Fonte: Jacksons Art 

O Verde Viridiano (PG18) é um pigmento verde semitransparente com um tom azul distinto. Ele pode ser encontrado nas pinturas dos impressionistas e pós-impressionistas e continua a ser um pigmento popular hoje. A história do Viridiano é mais bem compreendida no contexto dos pigmentos verdes disponíveis na época em que foi descoberto.

No início do século 19, um dos pigmentos verdes mais comumente usados ​​era o Verde Esmeralda (também conhecido como Verde Paris). Sua alta opacidade e matiz vibrante o tornavam um pigmento popular para artistas, mas era incrivelmente venenoso devido ao seu conteúdo de arsênico. De produção barata, o Verde Esmeralda foi usado como corante para papel de parede, roupas e artigos de decoração. Quando o material se degradou em condições úmidas, ele liberou gás arsênico altamente tóxico. Isso levou a muitos casos de envenenamento, às vezes com consequências mortais.


Exemplo de tinta Viridiano Green

Chromium Oxide Green [N.T.: Verde de òxido de Cromo] foi produzido pela primeira vez em 1798, mas faltou a vibração do Verde Esmeralda e não foi imediatamente popular. Quando Viridiano foi criado em 1836 pelo criador de cores francês Pannetier, era conhecido por seu caráter vivo e chamou a atenção de artistas. O verde esmeralda tinha uma tendência a ficar preto quando misturado com pigmentos que contêm sulfuretos, como amarelo de cádmio e azul ultramarino, mas o Viridiano era estável, resistente à luz e tinha a intensidade de cor que os artistas procuravam.

O Viridiano não foi criado para substituir o Verde Esmeralda (as tintas dos artistas em Verde Esmeralda continuaram disponíveis até o século 20), no entanto, o Viridiano o substituiu gradualmente em aplicações comerciais e industriais. Um método mais barato de produzir Viridiano foi patenteado por Guignet em 1859, tornando-o mais acessível. Tornou-se uma cor popular na paleta dos impressionistas. A análise desta pintura de Claude Monet mostra que houve o uso do Viridiano:



Chegada do trem da Normandia, Gare Saint-Lazare (1877)
Claude Monet (1840–1926)
Óleo sobre tela
Art Institute of Chicago, Chicago, IL.


Características do Verde Viridiano

Um verde monopigmentário como Viridiano é um ótimo complemento para uma paleta. Tem um valor relativamente escuro quando usado direto do tubo e pode ser usado para fazer algumas misturas escuras. A tonalidade azul do Viridiano é revelada em esmaltes e em tons com branco, onde se torna um azul celeste.

As seguintes misturas foram feitas usando aquarela. A coluna à direita é uma aquarela pura, com viridiano puro no topo, a cor da mistura na parte inferior e várias combinações das duas no meio. As colunas restantes à esquerda mostram o que acontece com cada mistura de cores quando guache branco é adicionado a ela em incrementos, da direita para a esquerda.
 
Vermelho viridiano e pirrole
Viridiano e Vermelho Pyrrole

Viridan e Vermelho Pyrrole podem criar preto quando usados ​​puros, e quando misturados com pequenas quantidades de guache branco cria tons de cinza sutis. Um efeito semelhante pode ser alcançado com o vermelho de cádmio em vez do vermelho de pirrole. Para pretos muito profundos, o Verde Phthalo pode ser mais eficiente do que Viridiano porque é mais escuro em valor.

 
Laranja viridiana e pirrole
Viridiano e Laranja Pyrrole 

Com o laranja sendo complementar ao azul, o Laranja Pyrrole neutraliza o tom azulado do Viridiano para fazer verdes terrosos e marrons terracota.

 
Siena viridiana e crua
Viridiana e Siena Natural

Viridiano pode ser persuadido a fazer algumas misturas suaves e terrosas que podem ser úteis em uma paleta de paisagens. 
Um verde com maior poder de tingimento, como 
Verde Phthalo, pode facilmente sobrepujar um pigmento de tingimento moderado de "terra".
 
 
Viridiano e roxo quinacridona
Viridiano e Vermelho Quinacridona 

Eu esperava que essa mistura fizesse cinzas neutros, mas em vez disso, ela cria algumas violetas surpreendentes! Essas combinações estariam em casa em uma paleta botânica.
 
Algumas tintas Viridiano são feitas com Phthalo Green (PG7), ou uma mistura de Viridiano e Phthalo Green, por isso vale a pena conferir os números do índice de pigmento.
 
Embora seja mais baixo em força de tingimento do que o mais moderno Phthalo Green, o Viridiano é um pigmento característico que tem muitos usos em uma paleta artística. 

Tradução: Roger Avis

sábado, 4 de abril de 2020

Por que Abaporu vale milhões?



Existe uma arte que pode ser comparada a uma roupa de grife. Tal tipo de obra de arte funciona como um paradigma para guiar e determinar o valor do mercado em obras semelhantes.

Esta grife, alçada a esta posição devido ao gosto de uma época, faz com que este tipo de arte seja mais procurado. E, assim, o mercado da arte se comporta como qualquer espécie mercado: oferta e procura determinam o valor.

Da mesma forma que o mercado apresenta tipos de investimentos como ouro e imóveis, o mercado de arte acabou incorporando essa espécie de perspectiva, utilizando obras artísticas como possibilidades aos investidores. De tal forma que o investimento em obras de arte podem acarretar ganhos de capital que nenhum outro ativo seja capaz.

Assim, a cobiça por obras que tenham, no mínimo, um simulacro de novidade e sejam atribuídas a artistas mortos, de preferência jovens, no auge de sua produtividade, tornou-se uma marca dos investidores deste mercado.

Contudo, o mercado de arte não funcionava desta forma até meados do século XIX. Talvez, com o advento do romantismo, a arte tenha começado a tomar este rumo, com o interesse do público pelos artistas, mais do que por suas obras. 

Dentro de uma ótica grosseira, por exemplo, William Turner (1775-1851) poderia ser considerado um pop star, pela sua excentricidade. Ainda mais quando aquilo que, antes, era considerado apenas borrões foi elevado às alturas da genialidade por John Ruskin (1819-1900), maior crítico britânico da época.

E assim vimos que comerciantes começaram a visualizar o mercado de arte como outro qualquer, encontrando oportunidades de investimento em assista desconhecidos que faziam obras de arte diferentes. Conhecidos são os exemplos de Van Gogh (1853-1890), ou de Modigliani (1884-1920), artistas pobres e sem sucesso, com vidas trágicas, que se tornaram ícones de suas épocas após a morte.

No mercado brasileiro, temos o exemplo de Aleijadinho (1738-1814). Uma obra do barroco mineiro tem um valor. Contudo, quando alguém a atribui a Aleijadinho, este valor de multiplica, ainda que a obra continue a mesma. 

Este comportamento tem sido caso de questionamento de diversos estudiosos, acreditando que aquilo que se atribui a Aleijadinho é uma quantidade de obras muito maior do que a que ele realmente produziu. E que o mercado força estas atribuições como forma, apenas, de aumentar o valor da obra.

Vê-se, portanto, neste caso, que a obra de arte não é admirada pelo seu valor intrínseco, mas tal como um fetiche, ou um objeto que empresta uma expressão de  poder a quem o possui.

Sendo assim, o mercado da arte tem essa faceta de buscar valorizar seus produtos, ainda mais quando estes representam símbolos históricos, ou exemplos de heterodoxia artística.

Vemos diversos autores que foram esquecidos, alguns por séculos -Vermeer (1632-1675) e El Greco (1542-1614) por exemplo- para depois termos o retorno deles ao mercado, com altos valores, sem desconsiderar aqui o valor artístico destes exemplos citados.

Vemos outros extremamente valorizados durante sua época -Murilo (1617-1682) por exemplo-, para, depois de séculos, serem importantes apenas para um pequeno grupo de críticos e colecionadores.

Abaporu (1928) é um ícone da arte moderna Brasileira. E por isso tem esse valor: pela ruptura escandalosa dos padrões artísticos, inclusive para os padrões da própria arte moderna brasileira da época.

Pietro Maria Bardi (1900-1999), pareceu não dar muito valor à obra. Após adquiri-la, preferiu vendê-la a incorporá-la ao MASP.

Eu já vi a obra de perto em Buenos Aires, e não me despertou nada: zero. Se eu tivesse que escolher quadros da artista, não me fiaria por este: prefiro outros. Abaporu, com respeito às opiniões discordantes, me parece uma pintura anacrônica. Mas, é claro, que os novos ortodoxos preferirão dizer que isso é uma estultícia.

Diferente é, para mim, um quadro como o "Descida da Cruz", de Rogier van der Weiden (1400-1464), que vi no Museu do Prado: os séculos não apagaram a maestria dessa obra. Quem o viu, pessoalmente, saberá do que digo.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Considerações sobre Artes Plásticas (I)


Monalisa (Leonardo da Vinci - pintade entre 1503 e 1506)

A arte, da forma como considero, é expressão do conhecimento. A técnica deve ser apurada no sentido de que a arte, em seu sentido abstrato, possa se materializar em nosso plano da forma mais autêntica possível.

Por esta razão, tenho verificado que a maior parte da produção artística extremamente valorizada pela crítica está mais identificada com a materialidade da falta de perspectivas do mundo moderno. O vácuo é a inspiração utilizada pela arte valorizada.

Assim, no caso específico das Artes-Plásticas, vejo com suspeição a valorização de artistas com técnicas grosseiras e temáticas vazias. Parece-me evidente que nesta época onde a quantidade está sobrevalorizada, a arte-produto seja destacada pelo lucro que se pode obter dela. Um artista que pinte uma Monalisa em quatro anos não teria a benção do mercado.

Outra coisa que verifico é que a tão propalada decadência da Arte, feita por diversos críticos, atinge tão somente aquela Arte identifica com os gostos padronizados da “elite” financeira (se se pode dizer assim). Ainda vemos em diversas partes do mundo, pelo que pude ver em minhas viagens, bem como na WEB, ainda há expressão significativa, carregando de esperança este meio de expressão.

 Artista VLADIMIR DENSHCHIKOV – Ucrânia
(Arte em Linho)

A estética nas Artes-plásticas, na atualidade, encontra-se delimitada pelo valor que se dá à padronização dos meios críticos, daqueles que dizem qual obra tem valor e qual não tem. Pode-se criar um paralelo entre o padrão de beleza feminino imposto pelas revistas de moda europeias e estadunidenses, e a beleza que enxergamos com nossos próprios corações. 

Chegamos, então a uma encruzilhada: o que deve ser considerado essencial e belo em artes plásticas? É a crítica especializada suficientemente abalizada para enxergar o que realmente é fundamental ou essencial em arte?

 A Fonte (Marcel Duchamp - 1917)

Acredito plenamente que estamos marcados por uma época em que nossos padrões têm como fronteiras a própria mediocridade.

Eu, em minhas reflexões, vejo ainda meus trabalhos como mediocridades mais ou menos bem elaboradas. E assim é o retrato de nossas expressões artísticas: mediocridades extremamente bem elaboradas, recheadas com coisa nenhuma. The Waste Land...

(CONTINUA...)

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Beleza e Verdade


Ananda Coomaraswamy
 

Ex divina pulchritudine esse omnium derivatur
(St. Tomás de Aquino, De Pulchro)
 
 
É dito que "a beleza relaciona-se com a faculdade cognitiva" (St. Tomás de Aquino, Sum. Theol., I, 5, 4 ad. I), sendo a causa do conhecimento, pois "uma vez que o conhecimento é feito por assimilação, e a similitude relaciona-se à forma, a beleza pertence propriamente à natureza da causa formal" (ib.).  Mais adiante Santo Tomás confirma a definição de beleza como uma causa, na Sum. Theol., III, 88, 3, ele diz "Deus é a causa de todas as coisas através de seu conhecimento" e isto novamente enfatiza a conexão da beleza com a inteligência.  "É o conhecimento que torna o trabalho belo" (São Boaventura, De reductione artium ad theologiam, I 3).  Isto significa, é claro, que por sua qualidade de esplendor ou iluminação (claritas), a qual Ulrich de Strassburg define como o "brilho da luz formal pela qual [a coisa] é formada ou proporcionada", a beleza é identificada com a inteligibilidade: o fulgor da expressão sendo impensável separado da perspicácia.  Toda espécie de imprecisão, sendo uma privação da forma devida, é necessariamente um falta de beleza.  Por isso na retórica medieval é dada tanta importância à natureza comunicativa da arte, a qual deve ser sempre explícita.

É precisamente esse caráter comunicativo que distingue a arte cristã da antiga arte clássica, na qual o estilo é perseguido como um fim em si mesmo, e o conteúdo considerado apenas como um ponto de partida; pode-se dizer o mesmo da maior parte da arte moderna, a qual empenha-se em eliminar o tema (gravitas).  Agostinho realizou uma clara ruptura com o sofismo, o qual ele define da seguinte maneira: "Mesmo que não seja evasivo, todo discurso que busca um ornamento verbal (sânsc. Alamkâra) que ultrapasse os limites da responsabilidade em relação ao seu peso (gravitas) é denominado sofístico" (De doctrina christiana, II, 31).  A própria retórica de Agostinho "realiza um retorno de séculos, da busca do triunfo pessoal à antiga ideia de conduzir o homem à verdade" (Baldwin, Mediaeval Rhetoric and Poetic, pág. 51), à posição de Platão, quando este pergunta: "Sobre o quê o sofista torna o homem mais eloquente?"  (Protágoras, 312), e de Aristóteles, cuja teoria da retórica é a de uma "intensificação do conhecimento, de fazer com que a verdade desça sobre os homens...  A retórica é concebida por Aristóteles como a arte de dar efetividade à verdade; e é concebida pelos primeiros e pelos últimos sofistas como a arte de dar efetividade àquele que fala" (Baldwin, loc. cit., pág. 3).  Não podemos pensar que isto se aplica unicamente à oratória ou à literatura; isto aplica-se a qualquer arte, como Platão diz explicitamente no Górgias, 503, onde novamente ele se defronta com o problema daquilo que precisa ser dito - "o homem bom, que busca o melhor quando fala... É exatamente como qualquer outro artesão...  Basta que você olhe, por exemplo, para os pintores, os construtores..."  A posição escolástica é, portanto, tão distante da moderna quanto da clássica tardia: pois tanto no sofismo quanto na maior parte da arte moderna, a intenção é antes de tudo agradar aos outros ou expressar-se a si mesmo.  Ao passo que a arte de agradar, ou como Platão denomina, da "adulação" (Górgias), não é para a Idade Média o propósito da arte, mas um mero acessório (e para grandes pensadores nem mesmo indispensável), de forma que, como diz Agostinho, "não me ocupa agora de como agradar; estou falando de como se deve ensinar a quem deseja instrução" (ib., IV, 10).  E enquanto na maior parte da arte moderna não podemos deixar de reconhecer um exibicionismo no fato de que o artista antes explora a si mesmo do que demonstra uma verdade, e o moderno individualismo justifica abertamente esse auto-expressionismo, o artista medieval é caracteristicamente anônimo e de um "comportamento discreto", e não é quem fala, mas o que é dito que importa.

Não se pode apontar nenhuma distinção entre os princípios da arte plástica e figurativa medieval e do "ornamento" simbólico e os dos "sermões" e "tratos" (*) contemporâneos, e uma indicação disto pode ser encontrada na designação "Biblia pauperum" aplicada à narrativa pictórica de temas da escritura.  Como observa o Professor Morey, "A catedral... É uma exposição da Cristandade medieval tanto quanto a Summa de Tomás de Aquino" (Christian Art, 1935, pág. 49); e Baldwin: "As catedrais ainda exibem em escultura e nos vitrais o que desce em palavras dos seus púlpitos...  Essa pregação demonstra as mesmas preocupações que as janelas simbólicas das catedrais, que seus capitéis entalhados, e sobretudo os aglomerados mas harmonizados grupos de seus grandes pórticos" (Mediaeval Rhetoric and Poetic, págs. 239 e 244).  É portanto inteiramente pertinente observar que de acordo com Agostinho, de quem podemos dizer ter definido de uma vez por todas os princípios da arte cristã (De doctrina christiana, livro IV, um ensinamento que "tem uma significação histórica sem qualquer proporção com a sua envergadura" - Baldwin, op. cit., pág. 51), o objetivo da eloquência cristã é "ensinar, a fim de instruir; agradar, a fim de agarrar; e também, certamente, mover, a fim de convencer" (IV, 12-13); a fórmula docere, delectare, flectere, ou alternativamente probare, delectare, movere, deriva de Cícero; probare significa a demonstração de quod est probandum, o tema ou assunto da obra (1).  O significado de "prazer" (delectatio) é explicado por Santo Agostinho quando ele diz que "alguém sente prazer (gratus) quando esclarece assuntos que necessitam ser compreendidos" (IV, 25).  Mas no presente contexto Agostinho está pensando antes no prazer dado pelo "encanto da dicção" (suavitas dictionis) por meio do qual a verdade a ser comunicada é tornada palatável pela adição do "tempero" que, por causa das mentes débeis, não deve ser negligenciado mas não é essencial, se estivermos considerando apenas aqueles que estão tão famintos pela verdade que não cuidam de quão deselegantemente (inculte) ela possa ser expressa, desde que "é uma característica típica das grandes mentes (bonorum ingeniorum) amar a verdade que está nas palavras antes que as palavras em si mesmas" (IV, 11).  E em relação àquilo que poderíamos denominar, talvez, de a severidade da arte "primitiva", as palavras de Agostinho são muito pertinentes: "Oh, eloquência, tão mais terrível quanto menos adornada; e quanto mais genuína, tanto mais poderosa; Oh, verdade,  machado que fende a rocha!" (IV, 14).

A perspicácia é a primeira consideração; tal linguagem deve então ser usada de tal maneira que seja inteligível para todos aqueles a quem for endereçada.  Se necessário, mesmo a "correção" (integritas) (2) da expressão poderá ser sacrificada, se o próprio assunto puder ser ensinado e compreendido "corretamente" (integre) dessa maneira (IV, 10).  Em outras palavras, a sintaxe e o vocabulário estão a serviço da demonstração (evidentia: quod ostendere intendit), e não o tema a serviço do estilo (como os estetas modernos parecem acreditar).  O argumento é diretamente contra uma adesão mecânica a uma pedante e acadêmica "precisão", e surge em conexão com o problema de um discurso feito a alguma audiência inculta.  E significa que, em um verdadeiro ensinamento, deve-se empregar o vernáculo daqueles com quem se fala, desde que isto seja feito para o bem da coisa a ser dita, ou, como o expressa o Lankâvatâra Sûtra, II, 114, "a doutrina é comunicada apenas indiretamente através da pintura: e tudo aquilo que não for adaptado a esta ou àquela pessoa que deve ser ensinada, não pode ser chamado de ensinamento."  O fim não pode ser confundido com os meios, e não existem os meios que possam ser ditos bons em si mesmos, mas somente os meios que são bons em uma dada aplicação.  É do maior interesse observar que esses princípios equivalem ao reconhecimento e à sanção dessas "distorções" ou "desvios da perfeição acadêmica" representados por aquilo que se denomina de "refinamentos arquitetônicos".  No caso da entasis, por exemplo, o fim em vista é provavelmente que a coluna possa ser compreendida como perpendicular e em ângulo reto.  Ao mesmo tempo, a acomodação não é feita por razões estéticas, mas intelectuais; isto quer dizer que dessa maneira a "ideia" de perpendicularidade é melhor comunicada, e se o "efeito" resultante é também visualmente satisfatório, isto é mais um resultado da forma do que um propósito imediato da modificação.  Ocorre o mesmo com a composição de qualquer obra; essa composição é determinada pela lógica do assunto a ser comunicado, e não para o conforto da visão, e se a visão fica satisfeita, é porque uma ordem física no órgão da percepção corresponde à ordem racional presente em tudo aquilo que é inteligível, e não porque a obra de arte tenha sido feita apenas para o olho ou para o ouvido.  Uma outra maneira em que a "correção", neste caso a "precisão arqueológica", pode ser propriamente sacrificada ao fim mais alto da inteligibilidade pode ser vista no tratamento usual medieval de temas bíblicos como se eles tivessem ocorrido no ambiente em que vivem aqueles que os retratam, com o conseqüente anacronismo.  É quase desnecessário apontar que um tratamento que representa um acontecimento místico como um acontecimento corrente comunica esse tema com muito mais vivacidade, e nesse sentido mais "corretamente", que um outro com um olhar pedante de arqueológica precisão que antes separa o acontecimento dos espectadores "atuais" e faz dele uma coisa do passado.

Os princípios de Agostinho não podem ser melhor exemplificados do que no caso da Divina Commedia, a qual hoje persistimos em ver como um exemplo de "poesia" ou belles-lettres, a despeito do que diz o próprio Dante sobre ela, que "a obra como um todo foi empreendida não com um fim especulativo, mas prático... o objetivo do todo é remover aqueles que estão vivendo nesta vida do estado de infelicidade, e levá-los ao estado de bem-aventurança" (Ep. ad Can. Grand., §§ 16 e 15).  O criticismo corrente equivoca-se de maneira similar ao interpretar o Rig Veda, insistindo nas suas qualidades "líricas", muito embora todos aqueles que estão dentro e pertencem a, e não simplesmente estudam, a tradição védica estão absolutamente seguros da função injuntiva fundamental desses versos, e contemplam não tanto sua qualidade artística quanto sua verdade, a qual é a fonte do seu poder motivador.  As mesmas confusões se repetem em nossas concepções de "arte decorativa" e da "história do ornamento".  É tacitamente ignorado que aquilo que denominamos ornamento ou decoração na arte antiga e medieval e, poderíamos acrescentar, na arte folclórica, teve originalmente, e na maioria dos casos ainda tem, um valor inteiramente diverso daquele que impomos-lhe quando hoje em dia plagiamos essas formas naquilo que realmente é "decoração interna" e nada mais; e a isto chamamos de uma abordagem científica!

Na Europa, a hoje desprezada doutrina da necessária inteligibilidade ressurge em uma data comparativamente tardia em conexão com a música.  Não só Josquin des Prés no século XV arguia que a música não deve ser apenas um belo som mas significar algo, mas é exatamente sobre esse ponto a refrega entre o cantochão e o contraponto centrada no século XVI.  A Igreja exigia que as palavras da missa tinham que ser "claramente distinguidas através da trama do contraponto, que embrulhava o cantochão".  Foi preservado um registro do bispo de Ruremonde "que afirmava que depois de ter posto a maior atenção foi incapaz de distinguir uma palavra qualquer cantada pelo coro" (Z. K. Pyne, Palestrina, his Life and Times, Londres, 1922, págs. 31 e 48).  Foi somente quando os papas e o Concílio de Trento foram convencidos pela obra de Palestrina que as novas e mais intrincadas formas musicais não eram realmente incompatíveis com a clareza, que a posição da música figurada foi garantida.

Tendo em mente o que foi dito acima sobre o invariável caráter ocasional da arte, e também o que foi colocado quanto à sua inteligibilidade, é suficientemente evidente que de um ponto de vista cristão a obra de arte é sempre um meio, e nunca um fim em si mesma.  Sendo um meio, ela é ordenada a um determinado fim, sem o que ela não teria raison d´être, e só pode ser vista como um bricabraque.  A abordagem corrente pode ser comparada à de um viajante que, ao encontrar uma placa de sinalização, começa a admirar sua elegância, quer saber quem a construiu, e finalmente a corta e decide usá-la como um ornamento no consolo de sua lareira.  Tudo bem, ela pode ser usada assim, mas dificilmente poderemos dizer que houve uma compreensão da obra; a menos que o fim esteja claro para nós mesmos, como ele o esteve para o artista, como ter a pretensão de ter compreendido, ou como poderemos julgar sua operação?

Mesmo que desviemos a obra de arte para algum outro uso que o original, então, em primeiro lugar, sua beleza estará proporcionalmente diminuída, pois, como disse acima Santo Tomás, "se elas são utilizadas para um outro uso ou finalidade, sua harmonia e portanto sua beleza não se mantêm", e, em segundo lugar, mesmo que possamos tirar um certo prazer da obra que foi retirada de seu contexto, usufruir desse prazer será um pecado nos termos da definição de Agostinho, "gozar daquilo que deveríamos usar" (De Trinitate, X, 10), ou uma "demência", como ele também chama essa visão de que a arte não tem nenhuma função senão agradar (De doc. christ., IV, 14).  O pecado, na medida em que ele relaciona-se com a conduta e ignora a função última da obra, a qual é convencer e instigar (movere), é o pecado da luxúria; mas desde que nós aqui lidamos antes com uma falta estética do que uma falta moral, permitam-nos dizer, a fim de evitar implicações exclusivamente moralistas que hoje em dia são inseparáveis da ideia de pecado, que contentar-se somente com o prazer que pode derivar de uma obra de arte sem nenhum respeito ao seu contexto ou significação será um solecismo estético, e é assim que o esteta e a arte "afastam-se da ordenação à finalidade".  Ao passo que, "se o espectador puder entrar nessas imagens, aproximando-se delas na carruagem de fogo (sânscr. jyotiratha) do espírito contemplativo (sâncr. dhyâna, dhï)... então ele poderá ressurgir do sepulcro, então ele encontrará o Senhor nos ares, e então ele será feliz" (Blake), o que é muito mais do que simplesmente estar satisfeito.

Notas
(*)  Os tratos eram versículos cantados nas missas de réquiem e nos períodos de penitência, logo após o gradual, para substituir o aleluia, e cuja melodia é das mais ricas do canto gregoriano.  (Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa) (Nota da tradução.) 

(1)  São Boaventura, De reductione artium ad theologiam, 17, 18 - ad exprimendum, ad erudiendum at ad movendem, "para expressar, instruir e persuadir", ou seja, expressar por meio da semelhança, instruir por meio de uma clara luz e persuadir por meio do poder."  Pode-se notar que "clara luz" é lumen arguens, e que nossa palavra "argumento" é etimologicamente e originalmente "clarificação" ou "tornar brilhante".  
(2)  A locutionis integritas de Santo Agostinho corresponde à sermonis integritas de Cícero (Brut. 35. 132) e significa "correção da expressão".  Similarmente em Santo Tomás, Sum. Theol., I. 39. 8, integritas sive perfection é uma condição necessária da beleza, integritas é "precisão" mais que "integridade" ou "integração".  Tendo em mente que toda expressão  se faz através de alguma semelhança, o significa da expressão é "simbolismo adequado", isto é, correção da iconografia.  Com muita freqüência esquecemos que na fala tanto quanto nas artes visuais, a expressão se dá através de imagens.  

In "Christian and Oriental Philosophy of Art", Ananda Coomaraswamy, Dover Publications Inc., New York, 1956,págs. 102-109.  

Tradução de Roberto Mallet.